domingo, 26 de fevereiro de 2012

AVALIAR...O quê?Quem?Como?Quando?

Avaliar...
O quê? Quem? Como? Quando?

Maria Conceição Gomes de Melo

Medir, quantificar, dar notas... Como se pensa hoje a avaliação do processo de ensino e aprendizagem?

Como vem sendo vivida a avaliação no processo educativo?

Hoje predominam formas de avaliação que podem ser consideradas como um instrumento de exclusão. Há uma cultura de mensuração que classifica e exclui o aluno, seleciona os melhores. O professor começa a excluir já no modo de organizar seu trabalho ele se baseia em um tipo de ensino, para o qual acredita que há um tipo de aprendizagem, e o aluno que não consegue se aproximar desse modelo é classificado e excluído do processo. Enfim, é uma visão classificatória, punitiva e coercitiva, sendo um instrumento de controle da conduta comportamental e cognitiva do aluno. É preciso criar uma cultura que de fato avalie.

Na prática, de que modo criar essa nova cultura?

O professor que só apresenta um tipo de aula e quer adequar todos os alunos, pode ser comparado com um alfaiate que faz só um tipo de roupa para todo mundo vestir. O professor deve compreender primeiro, que a prática avaliativa não está dissociada do contexto do trabalho pedagógico. Não adianta querer mudar o sistema avaliativo sem mudar também o trabalho pedagógico e as condições de trabalho do próprio professor. As pesquisas no campo de educação mostram que todos aprendem, mas de forma e em ritmo diferentes. Cabe a cada educador descobrir a forma e o ritmo de aprender de cada aluno, para reconstruir sua prática pedagógica.

Qual o caminho para mudar o processo avaliativo?

Tudo deve começar pela escola, que precisa estabelecer objetivos e critérios em seu planejamento e em seu projeto político-pedagógico. É indispensável ter clareza a respeito do que se pretende avaliar, para poder realizar o que se pretende, e saber qual metodologia adotar e quais recursos utilizar. Cada contexto tem suas especificidades. E, ao se construir esse instrumento de avaliação, ele tem de ser coerente com a prática pedagógica do professor e com o que foi ensinado. Não se pode ensinar de uma forma e avaliar de outra - é preciso haver coerência. E é aí que ocorre a grande mudança: os instrumentos de avaliação são aplicados no momento em que se ensina. O professor cria situações de aprendizagem e, ao mesmo tempo, produz situações de avaliação. Segundo Paulo Freire, ensinamos se a aprendizagem tiver acontecido; se não aconteceu aprendizagem, não ocorreu o ensino.

Como criar espaços de ensino e aprendizagem?

Para cada tipo de conteúdo - conceitual, factual, procedimental e atitudinal - há formas específicas de ensinar e, conseqüentemente, de avaliar. Os instrumentos de avaliação atendem à multiplicidade dos conteúdos e à multidimensionalidade do sujeito a avaliar. O aluno deve ser avaliado não só nos aspectos cognitivos, mas em sua plenitude, o que hoje costuma se chamar a "integralidade do sujeito". Mas é indispensável que haja uma coerência interna nesses instrumentos, que todos se pautem pelos critérios dos objetivos que foram definidos - e comunicados aos alunos e alunas. Essa decisão não mais será tomada para punir ou selecionar, mas sim para avaliar se o ensino está dialogando com as aprendizagens.
É possível avaliar juntos o ensino e a aprendizagem?

Ao se avaliar a aprendizagem também está se avaliando o ensino, pois está se questionando a forma ensinada e sua adequação às várias aprendizagens encontradas em sala de aula, levando à avaliação da prática pedagógica. É o momento para o professor repensar sua prática e rever sua organização pedagógica, contextualizando-a. Quanto mais ele conhecer as formas pelas quais os alunos aprendem, melhor será sua intervenção pedagógica. Ou seja, avaliação é a mediação entre o ensino do professor e as aprendizagens do aluno, é o fio da comunicação entre formas de ensinar e formas de aprender. É preciso considerar que os alunos aprendem diferentemente porque têm histórias de vida diferentes, são sujeitos históricos, e isso condiciona sua relação com o mundo e influencia sua forma de aprender. Avaliar, então, é também buscar informações sobre o aluno (sua vida, sua comunidade,sua família, seus sonhos ... ), é conhecer o sujeito e seu jeito de aprender.

Avaliação diagnóstica, reguladora, somativa... O que significa isso?

O professor não pode planejar pensando em um aluno ideal, mas sim no contexto real de sua sala de aula. Para conhecer o aluno real, se faz necessária uma avaliação diagnóstica, ou prognóstica, que dirá quem são esses indivíduos, qual é sua perspectiva histórica e cognitiva. No momento seguinte, o professor quer ver como o que ensinou contribuiu para modificar o aluno, não para dar nota, mas para verificar se atingiu os objetivos pretendidos - esta é a avaliação reguladora. Quer dizer, se o aluno não aprendeu os conceitos, procedimentos e atitudes que constam no meu planejamento, então eu volto para regular meu trabalho, para pensar como vou atendê-lo. Minha preocupação é conscientizá-lo do que ele aprendeu e da maneira pela qual está aprendendo, para que ele se auto-avalie e se auto-regule.
A avaliação somativa expressa minha atuação em um tempo pedagógico determinado, para que eu possa repensar minha prática e dar um parecer sobre o aluno; em outras palavras, a avaliação somativa avalia a qualidade da totalidade do objeto avaliado em um período pedagógico previsto. As avaliações diagnóstica, reguladora e somativa compõem uma perspectiva de avaliação formadora, que busca acompanhar o processo de ensino.

E quanto à auto-avaliação do professor?

Há reflexões fundamentais: O que vou avaliar? O que é fundamental no que ensino? O que é relevante cognitiva e socialmente no que estou ensinando? Alguns objetivos prévios certamente não serão atingidos, pois durante o processo de ensino vão emergindo novas questões - se o professor não estiver atento às dificuldades apresentadas pelos alunos, para ajustar seu trabalho, não atingirá as metas iniciais. Os objetivos precisam ser flexibilizados durante o processo de ensino.

Que instrumentos o professor pode utilizar?

Um exemplo. Para trabalhar a construção de um texto, preciso ter ensinado o que é texto. E quando pedir para o aluno construir um texto, devo ter um instrumento para me orientar na análise do que ele escreveu. O instrumento pode ser uma ficha de checagem, individual ou coletiva. De modo geral, anotarei em uma coluna o que acho fundamental ser avaliado e, nas outras, os focos avaliativos: coerência, coesão, concordância nominal, verbal etc., com um espaço para registrar se a produção do texto atingiu ou não o que foi pedido e qual a decisão a tomar em relação aos problemas que aparecerem. Avaliar não é apenas constatar, mas sobretudo analisar, interpretar, tomar decisões e reorganizar o ensino.



Como dar atendimento individual, trabalhando com classes numerosas?

O professor pode agrupar os alunos por nível de desenvolvimento cognitivo, ou por zona de desenvolvimento proximal. E depois propor desafios pedagógicos aos grupos, de acordo com seus níveis de aprendizagem. Seguindo Piaget, o desafio tem de ser superável, pertinente ao nível de aprendizagem de quem está aprendendo.
Exemplificando com uma brincadeira, dizemos que existem três tipos de aluno: o primeiro que aperreia o professor, o segundo que aperreia o professor, e o terceiro que fica tentando fazer a tarefa. O primeiro termina a atividade em dois minutos, não era desafio para ele. O segundo olha a tarefa e não entende nada, não consegue nem interpretar o desafio. O terceiro é aquele que encontra um desafio e tenta superá-lo. O que faltou aos dois primeiros? Atividades pertinentes a seu nível de aprendizagem. É preciso que o professor atualize sua prática, a partir dos instrumentos avaliativos; ele tem de criar situações por meio das quais o aluno descubra alguma coisa. Só existe situação de aprendizagem quando o aluno é desafiado a descobrir, a utilizar o que sabe para construir o que ainda não sabe.
A formação continuada ajuda o professor a repensar sua prática. Ele precisa questionar o que é aprendizagem, o que é ensino e a função social do que está sendo ensinado. Esses três elementos são fundamentais para o professor repensar sua prática, questionar a concepção de ensino e aprendizagem e dos conteúdos que serão trabalhados. Ele não vai subtrair conteúdo, nem deixar de ensinar, imaginando que o aluno não vá entender. Precisará se aproximar do processo de aprendizagem dos alunos e deixar de lado o planejamento rígido, em busca de um planejamento flexível. Mas isso somente será possível com uma boa fundamentação teórica, pois educação não é improviso - é intencional, é planejada.

Como é um planejamento flexível?

É importante que a escola seja um espaço de aprendizagem não só para o aluno, mas fundamentalmente para o professor. Também é imprescindível que os professores, em equipe, possam socializar suas formas de planejar e de avaliar e que questionem suas posturas pedagógicas. O professor precisa ter oportunidade de continuar sempre a aprender. Na formação continuada ele adquire conceitos novos, e passa a questionar os que já tem. E com tudo isso descobre novos caminhos para o planejamento. Mas também são importantes sua sensibilidade pedagógica e os conhecimentos que acumulou em sua experiência. A sala de aula é como um laboratório da prática pedagógica e da aprendizagem, um ambiente de investigação e um lugar de pesquisa didática, de produção de saberes e desenvolvimento de competências.

Os alunos e a família podem entender esse novo conceito?

Os pais pedem notas, porque estão acostumados com a avaliação classificatória. Cabe à escola ajudá-los a entender o processo de avaliação, definindo seu projeto político-pedagógico. Um projeto político-pedagógico construído coletivamente, com significado, serve de referência para o planejamento dos professores. E esse projeto deve ser muito bem explicado aos pais, de preferência nos primeiros dias de aula. Naturalmente, a mudança não acontecerá do dia para a noite. Mas a insistência em promover reuniões nas quais os professores expliquem aos pais como ensinam, por que ensinam daquela forma e, conseqüentemente por que avaliam de maneira diferente sustentará o diálogo entre escola e família. Que esse diálogo nunca seja para dizer que o aluno é ruim, mas para informar como ele está aprendendo.




Como conduzir o diálogo com os pais e com os alunos?

Há muitas maneiras, mas veja por exemplo o relato de uma professora de primeira série. Ao final de uma etapa de ensino, depois da aplicação de vários instrumentos avaliativos, ela enviou cartas aos pais de cada aluno, informando o que a criança aprendera, o que não conseguira aprender, e o que ela pretendia fazer. A carta não substituiu o boletim, mas ao acompanhá-lo deu significado a ele. É importante frisar que a nota diz pouco sobre a aprendizagem, apenas classifica o aluno numa escala de valor, numa hierarquia. A carta dessa professora foi um parecer diagnóstico, favorecendo a conscientização dos pais para o processo de mudança.

Como corrigir os erros dos alunos?

Quando o aluno erra dentro de uma lógica, ele erra tentando superar um desafio. O professor precisa estar atento para compreender como o estudante está construindo seu conhecimento, suas hipóteses, suas competências. Quando o educador faz do erro fonte de castigo, o aluno deixa de criar hipóteses, de se arriscar, com medo de ser punido ­ isso favorece a formação de pessoas omissas, não­ críticas, não-criativas. Estimular o aluno a continuar tentando e superar suas dificuldades favorece seu crescimento como aprendiz e como pessoa, fazendo com que ele se sinta mais seguro e confiante; desenvolve sua capacidade crítica, estimulando-o a ser autônomo.

De que outras maneiras a avaliação pode ajudar no processo de aprendizagem?

Criando situações para que os alunos questionem, ao procurar agrupá-los por zonas de desenvolvimento proximal e apresentar desafios que sejam pertinentes. Também podemos agrupar alunos que já dominaram determinado conhecimento com aqueles que ainda não dominaram, os que sabem ajudarão os outros a questionar, os próprios colegas criarão desafios. A avaliação é o mapeamento da aprendizagem do aluno e do ensino e nesse momento o professor pode fazer uma reflexão consistente da prática pedagógica e reconstruí-Ia, criando desafios que conduzam o aluno a superar seus estágios cognitivos.

Como a escola deve refletir sobre a reprovação?

Ainda hoje colocamos a responsabilidade total nas costas do aluno. Quando a escola se centra no ensino uniforme, acreditando que existe um aluno ideal e uma única forma de aprender, quem não se aproxima dessa uniformidade é punido, fica com o estigma de fracassado e, conseqüentemente, é excluído da escola e da sociedade. Ao excluir o aluno em situação de aprendizagem estamos promovendo sua ex- clusão de uma vida digna, da possibilidade de se construir como cidadão. Precisamos criar uma nova cultura educativa, que construa uma nova cultura avaliativa e um novo sentido para o sistema de ensino.

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